O capitão Jair Bolsonaro já disse que chegou ao Palácio do Planalto não para construir, mas com o objetivo declarado de destruir. Temos de convir que, pelo menos neste sentido, não há como dele discordar. O presidente da extrema direita está empenhado em honrar a palavra. Nesta segunda-feira anunciou mais uma façanha: a destruição da política de valorização do salário mínimo, criada no governo Lula e institucionalizada por Dilma Rousseff em resposta à demanda unitária das centrais sindicais brasileiras.
O governo propôs nesta segunda-feira (15) que o mínimo seja corrigido apenas pela inflação em 2020. Na prática, a medida, que depende de aval do Congresso, encerra a política que permitia ganhos reais aos trabalhadores e vigorou até janeiro deste ano.
Sem aumento real
A proposta que traça as diretrizes para o Orçamento do ano que vem, enviada ao Legislativo, prevê que o piso de salários no Brasil será de R$ 1.040 a partir de janeiro de 2020, o que representa uma correção de 4,2% referente à estimativa para a variação da inflação. Hoje, o valor está em R$ 998.
No texto do projeto da LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) de 2020, o governo ainda ampliou a previsão de rombo fiscal para o ano que vem, dos atuais R$ 110 bilhões de déficit para um resultado negativo de R$ 124,1 bilhões.
A política de valorização do salário mínimo foi implementada no governo Lula e transformada em lei por sua sucessora Dilma Rousseff, com validade até este ano mas com previsão de prorrogação, principalmente porque ao longo dos últimos anos não houve aumento real devido ao baixo desempenho da economia.
No cálculo vigente até o reajuste de 2019, o salário mínimo foi corrigido levando em conta a inflação no ano anterior somada ao PIB de dois anos antes, o que permitiu alta real em períodos de crescimento econômico. Se o valor de 2020 fosse definido pelo mesmo critério seria acrescido 1,1% de aumento real, referente ao crescimento do PIB de 2018. É o benefício que Bolsonaro está surrupiando da classe trabalhadora. E não é pela primeira vez, pois ele iniciou o governo reduzindo o valor proposto para o salário mínimo pelo governo Temer, de R$ 1006 para R$ 998.
Tudo pelo capital
A decisão de acabar com os ganhos acima da inflação está em linha com a política neoliberal adotada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, cujo principal fundamento é uma depreciação ainda mais profunda da força de trabalho no Brasil para atender demandas capitalistas. Ela tem a mesma lógica da perversa reforma da Previdência e da proposta de uma nova carteira do trabalho (verde e amarelo) sem as garantias da CLT e com as normas contratuais definidas por meio da negociação individual entre patrão e empregado.
A desculpa, esfarrapada, para a decisão de subtrair do mínimo o aumento real é combater o déficit público e alcançar o equilíbrio fiscal, o que se procura fazer sempre às custas da classe trabalhadora, prejudicando principalmente as camadas mais pobres. Ao mesmo tempo os magnatas do agronegócio são premiados com subsídios bilionários, o pagamento dos juros (que consomem em torno de 50% do Orçamento da União) é sacralizado, as desonerações são preservadas, fraudes e sonegações fiscais bilionárias, por parte dos grandes empresários, são permitidas e agraciadas com a impunidade. E o déficit continua nas nuvens.
Ou seja, o viés de classes da atual administração é transparente. Tudo se faz para satisfazer o afã dos capitalistas pela maximização dos lucros e a contrapartida desta benevolência é uma política implacável de destruição de direitos e conquistas da classe trabalhadora, temperada com um desumano desprezo pelos mais pobres, como se vê em relação ao programa Mais Médico, que está na UTI.
Efeitos macroeconômicos
A direita neoliberal argumenta que a política de destruição de direitos e depreciação da força do trabalho é o remédio, amargo mas milagroso, que vai curar todos os males que perturbam a economia brasileira, despertando a generosidade (ou seria a cobiça?) da fada madrinha dos investimentos (o capital estrangeiro em primeiro lugar) e propiciando, com isto, a retomada do desenvolvimento. É uma tosca inversão da realidade, pois é o contrário que, efetivamente, ocorre.
Lembremos que a malfadada reforma trabalhista foi imposta com a mesma promessa, assim como a famosa PEC do fim do mundo, que congelou por 20 anos as despesas públicas primárias (ou seja, todas as despesas do governo com a óbvia exceção do pagamento dos juros da dívida pública, que é sagrado ou simplesmente imexível, como diria Rogério Magri).
O resultado é hoje visível: o novo regime fiscal, alicerçado no congelamento dos dispêndios governamentais, deprimiu ainda mais a já anêmica taxa de investimentos (ou Formação Bruta de Capital Fixo, no idioma do IBGE), agravando a crise e condenando a economia brasileira ao círculo vicioso da estagnação.
A reforma trabalhista resultou em maior precarização e contribuiu, na mesma medida, para a redução dos salários e, por extensão, do consumo popular, bem como da arrecadação tributária nas três esferas da federação, indo de encontro ao suposto objetivo de combater o déficit público. Um resultado que já havia sido antecipado pelos críticos, pois enquanto o trabalhador formal, com carteira assinada, contribui para a Previdência, o FGTS, o Leão e o Sistema S, o precário (condenado à informalidade) está à margem não só dessas contribuições como igualmente dos benefícios a elas associados, como a aposentadoria e indenização nas demissões imotivadas.
Com o arrocho do salário mínimo, que agora teve início, o efeito não será muito diferente. A política de valorização do salário mínimo fortaleceu o mercado interno brasileiro, estimulando a demanda e contribuindo decisivamente para a retomada do crescimento no governo Lula, especialmente no curso da crise econômica mundial iniciada no final de 2007 nos EUA.
Valorizar o salário mínimo e promover, por este meio, o crescimento do consumo popular e a redução da chocante e crescente desigualdade social é um dos caminhos que críticos do neoliberalismo apontam para interromper e reverter o processo de degradação da economia e do próprio Estado nacional.
O governo da extrema direita vai na direção oposta. Porém o retrocesso, neste caso, ainda pode ser evitado. A proposta do novo valor para o salário mínimo vai passar pelo crivo dos parlamentares e pode ser alterada ao longo da tramitação do projeto da LDO no Congresso. É de se esperar um debate mais profundo sobre o tema e maior sensibilidade no Parlamento aos reais interesses do povo e da nação brasileira.
Mordomias militares
Conforme informações do jornal Folha de São Paulo, o projeto da LDO prevê que os militares serão a única categoria do serviço público autorizada a ter reajuste de salários e benefícios em 2020. Uma benção do capitão Jair Bolsonaro.
A liberação será feita antes mesmo da aprovação da reestruturação da carreira militar proposta pelo governo e em tramitação no Congresso. Em direção contrária, a proposta barra reajustes para todos os servidores civis.
“Não teremos política de reajuste, precisamos controlar esse gasto”, afirmou o secretário.
O notório privilégio concedido aos militares, que voltaram ao Palácio de Planalto pelas mãos de um capitão reformado 34 anos depois do desmoronamento da ditadura instalada pelos generais em 1964, desperta indignação não só entre os trabalhadores e trabalhadoras, sobretudo do setor público, mas inclusive no Congresso Nacional, onde tramita no momento a perversa proposta de reforma da Previdência da dupla Guedes/Bolsonaro, para a qual por sinal a contribuição de soldados e oficiais das Forças Armadas, que não abrem mão da integralidade e paridade, é menos que risível.
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